terça-feira, 24 de maio de 2011

Flores Azuis, de Carola Saavedra

O livro (164 páginas) escrito por Carola Saavedra, chilena radicada no Brasil desde os três anos de idade, fala de amores desfeitos e possibilidades (im)possíveis. Fala de perdas e de encontros irreais, fadados a não acontecerem. Fala do hiato como o único lugar possível para o encontro.
As cartas escritas por uma mulher, cujo relacionamento foi desfeito, acabam indo parar nas mãos de um homem recém-separado, pai de uma filha de três anos que ele não compreende, virando sua vida ao avesso. As cartas, dia após dia, nove no total, alteram por completo a rotina de Marcos, o personagem que as recebe. E ele sabe que está agindo de forma errada ao receber cartas anônimas, possivelmente endereçadas ao antigo inquilino do apartamento em que atualmente mora, já que possuem o endereço correto, apenas o destinatário não coincide. No entanto, aquilo que começou como um "furto", passa a ser a parte mais importante e esperada de seus dias antes tão monótonos.
Sempre em envelopes azuis, as cartas são assinadas apenas por "A", uma mulher que ainda sofre a ausência do amante. Escrevê-las é uma forma de tentar entender o que ocorreu para o rompimento da relação. Nas cartas, "A" relembra os últimos momentos com seu amante, pessoa ao mesmo tempo bruta e delicada.
A parte final da narrativa desvenda o mistério do romance, após um telefonema: as cartas nunca foram direcionadas ao antigo morador do apartamento. A escritora parece brincar com o destino...
Os capítulos se sucedem entre as cartas enviadas por "A" e as reações do personagem que as lê, capítulos escritos em terceira pessoa.
Pela leitura, fica a lição de que, às vezes, o que temos de mais concreto na vida não passa de ilusão.

Começa assim:
"... Dizem que a separação nunca é um núcleo, uma urgência. Dizem que ela começa em seu avesso. E que é justamente no momento mais suave, o primeiro encontro, o primeiro olhar, que a separação começa a existir. Eu prefiro acreditar que a separação nunca termina, e que o último dia, a última noite, é um instante que se repete, a cada espera, a cada volta, cada vez que sinto a tua falta, cada vez que pronuncio o teu nome. Eu acredito que, ao te chamar, uma estratégia, um encanto, eu seja capaz de fazer com que você se vire e olhe, e, sem perceber, estenda entre nós um atalho, uma ponte." (fl. 07)

domingo, 8 de maio de 2011

El curioso incidente del perro a medianoche, de Mark Haddon

O primeiro livro que li em espanhol. Penso que foi um grande escolha. Fiquei maravilhada com a leitura e posso dizer que, embora não tenha feito curso de espanhol, não tive dificuldade com o idioma, mas é verdade que me socorri de um dicionário para anotar as palavras desconhecidas. Vamos ao livro:
O livro é narrado por Christopher Boone, um menino de 15 anos, autista, sabedor do nome de todos os países do mundo e de suas capitais, que odeia as cores amarela e marrom e ama a cor vermelha e que desconhece as expressões faciais (não sabe diferenciar as expressões de tristeza ou de alegria no rosto de alguém). Nada o irrita tanto quanto ser tocado por outra pessoa e, para se "desestressar", faz contas de cabeça.
Uma curiosidade: os capítulos do livro seguem a sequência dos números primos, começando no capítulo 1 e terminando no capítulo 233 (embora o livro tenha apenas 268 páginas). Isso porque o menino-narrador é apaixonado por matemática e a sua obra é inspirada pela leitura dos romances policiais de Sherlock Holmes, que ele tanto admira.
A narrativa começa com a morte de Wellington, o cachorro da vizinha Sra. Shears. Na tentativa de desvendar os motivos que levaram à morte do "perro", o menino decide escrever o livro, incentivado pela professora do colégio. O problema é que para desvendar o "crime", casos de família são revolvidos, paixões e desamores são trazidos à tona, mortes são superadas (já que a mãe, que o menino supunha ter falecido, está bem viva e levando nova vida em Londres, ao lado do ex-marido da Sra. Shears, amante do pai de Christopher)...
A morte do cachorro é, de fato, desvendada, mas, como se verá, pouco importa o motivo da morte: o que importa aqui é o caminho seguido por Christopher até a página final. O livro é um encontro do menino consigo mesmo e indica a superação necessária de muitos obstáculos e temores. O final é surpreendente. 
Um livro que prende a atenção, como toda boa novela policial, mas com o aspecto interessante de ser narrado por um garoto de 15 anos, com sua visão de mundo. 
Na obra, Christopher nos dá verdadeiras aulas de matemática, resolve difíceis problemas da área e nos mostra como é simples superar problemas aparentemente sem solução: como conseguir se localizar em Londres, para achar a mãe; passar em meio a multidão de pessoas no metrô (sem poder tocar ou ser tocado por elas), entre outos... 
Este pequeno grande livro foi traduzido para 43 idiomas. Aqui no Brasil recebeu o título de "O estranho caso do cão morto". Seu autor foi professor de crianças com deficiência, daí porque consegue narrar, com maestria, a história sob a perspectiva de um menino que sofre da Síndrome de Asperger, uma forma moderada de autismo. 
Adorei o livro e recomendo a leitura! Espero que gostem tanto quanto eu...

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Cidade de Deus, de Paulo Lins


A obra, embora volumosa (são 548 páginas na primeira edição), é de rápida leitura. O livro conta a história do nascimento da favela carioca "Cidade de Deus" e de alguns de seus muitos e curiosos personagens. Divide-se em três capítulos: 1) A história de Cabeleira; 2) A história de Bené e 3) A história de Zé Pequeno. 
O autor, Paulo Lins, realmente viveu na Cidade de Deus e sentiu de perto o que os personagens vivenciaram na obra; viu, de verdade, o que os personagens (alguns verdadeiramente reais, tanto que a partir da segunda edição os nomes são modificados por força de pedido de familiares) viram.
A história contada no livro tem relação direta com o alijamento populacional: pessoas são deslocadas de áreas de risco para a nova localidade "Cidade de Deus". Relações de afeto e amizade são destruídas com a forçada mudança e, aos poucos, aquela gente toda tem que reencontrar seu lugar no mundo, mesmo que esse lugar seja longe à beça da "civilização". Para as crianças, porém, tudo é festa, já que o novo local de habitação significa muita área descampada para brincar, correr, soltar pipa e jogar bola. Existe a promessa de uma nova vida pela frente. A obra começa aí. A primeira parte é mais leve, com a violência e o tráfico de drogas ainda iniciantes.
A partir do segundo capítulo pode-se perceber que o tempo da narrativa avança mais rápido (e mais rápido ainda no capítulo final). As crianças cresceram e viraram adolescentes ou adultos necessitados de trabalho, digno ou indigno. Alguns passam a invejar a vida dos bandidos, em contraponto à vida dos "otários", que seriam os trabalhadores com carteira assinada, ganhadores, quando muito, de um mísero salário mínimo mensal. Acentua-se a rixa entre brancos e negros, entre os favelados e os moradores da cidade, entre quem pode comprar o tênis com que sonha e os que têm que roubar para consegui-lo. Acentua-se, também, a violência e a ocorrência de mortes pelo mero prazer de matar o outro. As drogas ganham, de forma definitiva e irreversível, a favela e a classe média já sobre o morro para adquirir maconha, cocaína e o que mais tiver.
Na última parte da narrativa surge um herói de nome "Mané Galinha", que teve a namorada estuprada por Zé Pequeno (após o episódio do estupro, teve seu avô morto em casa). De simples trocador de ônibus, torna-se justiceiro e principal inimigo de Zé Pequeno. No entanto, o que era apenas uma rixa pessoal, vira uma guerra entre gangues da Cidade de Deus. O fim da narrativa é rápido, com inserção de muitos personagens, alguns até mesmo filhos dos personagens presentes no primeiro capítulo. A "guerra" é acentuada no fim, embora o autor, já nas últimas páginas, confira aos personagens desfechos nas histórias de vida, nem sempre positivos, como acontece na própria vida real.
O livro pode ser definido como um romance de "deformação" de um ser, se considerarmos Zé Pequeno como o principal personagem. Embora seja, de fato, um romance de formação de um ser, pois acompanha a vida do personagem da infância à idade adulta.
Quanto ao movimento, o livro pode ser definido como um romance de espaço, porque a narrativa se desenvolve num local específico, dentro da cidade "delimitada", que é a favela Cidade de Deus.
O narrador usa o discurso indireto livre; a narrativa é contada em terceira pessoa. A violência permeia todas as relações, o uso dos palavrões é uma constante na obra.
O romance é de tese, pois dá relevo às condições econômicas e sociais que se juntam para formar, em boa medida, o indivíduo. É de tese porque não dá relevo à descrição pormenorizada dos personagens, já que as histórias de cada um apenas são "pontuadas" na narrativa.
A estratégia da escrita se dá com a interpolação das histórias contadas, cujo tema "violência" se repete em todas elas. A obra, também, pode ser descrita como regionalista, porque o espaço definido e a linguagem são as da favela. A voz dos personagens, inclusive, é tratada no linguajar real, com os palavrões e erros de linguagem.
Um livro cuja leitura me fez repensar o modo de encarar (e entender) a periferia e suas necessidades. Adorei! Virei fã do Paulo Lins e da sua história de superação!