quinta-feira, 28 de abril de 2011

Lorde, de João Gilberto Noll

Um homem de meia idade, romancista brasileiro, recebe um convite para ir a Londres. Não sabe muito claramente de onde partiu o convite ou o motivo exato da viagem. Só sabe que nada tem a perder. Apenas mudará de solidão: a solidão da vida em Porto Alegre, sem amigos, pela solidão em um país diferente do seu. 
A história começa no aeroporto. Começa, também, a inquietante narrativa do protagonista sobre a misteriosa viagem (ou o chamado para uma "missão", como nos diz Noll).
Chegando em Londres, descobre-se um novo morador da periferia, em Hackney, bairro pobre de imigrantes situado no norte da cidade. Descobre, também, a cidade de opostos que se completam.
A uma certa altura da narrativa (que é bem mais psicológica que narrativa/descritiva), o narrador sai à busca de um espelho. Precisa ver sua própria imagem e saber se houve mudança em decorrência da viagem.
A viagem permite ao protagonista tecer inúmeros questionamentos sobre a vida: a vida que ele levava até então, a vida que ele quer levar dali para frente, a (re)descoberta da homossexualidade, a necessidade de um lugar só seu no tempo e no espaço e a esperança de um novo recomeço, mesmo que à custa de um furto de carteiras (algo impensável para um professor universitário, que ele se tornou depois).
O livro, embora pequeno em quantidade de páginas (são 111), é cansativo. Não se sabe muito bem o que é real e o que é delírio na narrativa. Trabalha o autor com uma forte imagem de náusea, de vômito, o que se vê com o desconforto físico sentido muitas vezes pelo personagem principal.
A escolha de Londres se deve ao fato de ser esta a mais globalizada das cidades. E a figura do "escritor" nos é mostrada como um desmemoriado, como aquele que quer esquecer. E, embora o narrador diga rejeitar a literatura, acaba redimido por ela (pela língua portuguesa que ensinará numa universidade). 
Passa-se a ideia de um sujeito que está sempre em trânsito, que nunca chega a lugar nenhum - até o dia da sua descoberta. Mas ele descobre-se outro, completo e livre. Vale a leitura!

terça-feira, 26 de abril de 2011

O filho eterno, de Cristovão Tezza

Antes de começar a ler esse pequeno grande livro (222 páginas), me pus a indagar: "Ora, mas todo filho não é eterno?". E percebi que o Felipe, da história, é mais eterno que os demais filhos, se é que isso seja possível. No início da obra, o pai vê seu filho eterno como uma condenação...
O personagem principal do romance é um escritor sem muitos louros. Alguns livros engavetados, alguns "nãos" e nenhuma perspectiva de uma vida que não fosse aquela vida sustentada pela mulher. Até o dia em que se depara com a notícia da gravidez da esposa. Compreende, então, que deixará de ser o centro das atenções; terá que, à força, crescer e deixar que outra pessoa seja a criança em sua vida. Talvez até deixe de ser um "homem provisório", como sempre se intitula, para ter uma obra só sua: um filho.
E eis que nasce a criança. Só tem um problema: ela tem síndrome de Down. Seu nome é Felipe e, nos idos dos anos 80, quando do nascimento, a sociedade ainda era bastante preconceituosa com crianças portadoras da anomalia consistente na trissomia do cromossomo 21. 
O pai, então, em vista desse nascimento que não foi comemorado, espera que a criança morra ou, ao menos, que o diagnóstico não seja confirmado pelos médicos. Nenhuma das duas coisas acontece: a criança cresce, saudável, embora portadora da síndrome e o pai, aos poucos, se sente verdadeiramente pai. 
O livro acompanha a evolução da paternidade e da relação de filiação (sempre sob a ótica do pai) ao longo de vinte anos, embora quase sempre relatado no presente, o que se chama de "presente histórico".
Pequenos avanços se transformam em enorme alegria para o protagonista da história, que vai, ao longo do livro, se encontrando, cada vez mais, no papel de pai e no de escritor. Dos "nãos" iniciais, o protagonista se torna professor universitário e escritor com livros publicados em importantes editoras. O filho, condenado pela sociedade a não poder ser nada nos anos 80, torna-se artista.
A leitura da obra é difícil, pesada, mas compensa. É uma "quase biografia," já que o autor, Cristóvão Tezza, é mesmo pai de Felipe, portador da tal trissomia do cromossomo 21. Porém, o livro é ficcional, até porque escrito em terceira pessoa e com o necessário distanciamento no tempo (já que o autor precisou do passar dos anos para escrever a obra).
Pode ser visto como um romance de formação: formação do menino que não consegue se achar e do pai que se acha no limbo. Ou, dito de outra forma, do menino deformado fisicamente e de seu pai, deformado socialmente.
O curioso é que o sucesso e reconhecimento, pelo grande público, de Cristovão Tezza surgiu em vista desse livro, do seu "O filho eterno". Digno de aplausos!

domingo, 24 de abril de 2011

Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, de Marçal Aquino

Embora o título do livro seja longo, muito longo, a leitura dessa obra de Marçal Aquino flui. São 229 páginas, mas lê-se rápido e não se esquece rapidamente aquilo que se leu. O livro fala de amor. Além de amor, fala da vida, de morte, de doenças mentais, de ciúmes, de traição, de obsessões, de perdas e recomeços. São três histórias dentro da história. Tem suspense, mortes e renascimento. Vamos à obra.
O narrador e personagem principal é Cauby ("como o cantor", como sempre brinca o próprio narrador), um fotógrafo paulistano que, por circunstâncias da vida, vai parar no interior do Pará-PA, a fim de fotografar prostitutas e trabalhadores de uma mineradora local. O relato é feito de um momento futuro regressando ao passado. O narrador personagem sabe como as coisas vão acontecer e antevê a própria morte (que não chega a acontecer).
A história de amor envolve Cauby e Lavínia, a mulher do pastor da localidade. Cauby se vê encantado, já à primeira vista, pela mulher que encontra na loja de um amigo, revelando fotografias, uma atividade comum entre esses três personagens (Cauby, Lavínia e o amigo dono da loja, de nome Chang). Por ocasião desse primeiro encontro, Cauby fica com o retrato da moça. Daí começa o desenrolar da história de amor principal do livro. Instável e portadora de dupla (ou múltiplas, como se verá depois) personalidade, Lavínia seduziu Cauby e não se escondia para os encontros vespertinos ocorridos no laboratório deste. Era chamada por Cauby de "a dona da tarde". O livro segue o relacionamento: daquela paixão inicial até o clímax da necessária despedida entre os amantes.
Como ingrediente de toda boa ficção, Cauby descobre no momento (quase) final que Lavínia espera um filho seu e desiste de seguir adiante. Ocorre que o marido, de nome Ernani, falece e Cauby, por conta do relacionamento com a mulher daquele, é o principal suspeito do assassinato, chegando a ser preso e linchado pela população local, que chamava o morto de "santo". O narrador tem ossos fraturados, perde o olho direito, tem redução na audição, mas diz que faria tudo de novo, porque ama de verdade Lavínia, que anda sumida nesse final da obra.
Um amigo de Cauby acaba por localizar a moça, que fora internada meses antes, num hospício. Completamente dopada e sem reconhecer Cauby, o reencontro entre os dois é emocionante. A mulher perdeu a criança por força do tratamanto à base de choques elétricos recebido no hospital psiquiátrico e, parece, perdeu a própria vida anterior. Agora quer ser chamada de "Lúcia".
Cauby reencontra-se, ao menos duas vezes por semana, com a amada. Ela aceita ser cortejada e tem a auto-estima reavidada com idas a salão de beleza e cinema, compras de roupas etc. Reatam (ou iniciam) o namoro como dois adolescentes. Lúcia até aceita (e gosta) de ser chamada de Lavínia, para alegria de Cauby. O narrador termina a história dizendo-se mais feliz que 97,6% das pessoas, porque conheceu o amor, que seria o sentimento mais próximo da felicidade que se pode experimentar.
Paralela à história principal, também é contada a história de amor entre o Careca, que é morador da pensão da Dona Jane, onde também vivia Cauby, e a Marinês. Ambos trabalhavam no mesmo banco e a história de amor, unilateral, diga-se, começou nas dependências do próprio banco. Marinês gostava de saber-se cortejada pelo Careca, de quem era muito amiga, mas não desgrudava do noivo Carlos Alberto. O noivo falece em um acidente de carro dias antes do casamento e Marinês se entrega à depressão e à loucura, atentando contra a própria vida, não sem antes entregar seu corpo virgem ao Careca. O amor obsessivo deste dura a vida inteira e segue depois do falecimento da amada, dando sentido à existência do personagem.
Outra história contada é a leitura do livro "O que vemos no mundo" pelo narrador. Ele intercala a leitura dessa obra com o desenrolar da sua própria história de amor. Entra como uma narrativa acessória, que qualifica a narração da história principal.
Enfim, o livro é envolvente, de leitura rápida e inesquecível, ao menos para quem já teve um amor de verdade...