quarta-feira, 4 de maio de 2011

Cidade de Deus, de Paulo Lins


A obra, embora volumosa (são 548 páginas na primeira edição), é de rápida leitura. O livro conta a história do nascimento da favela carioca "Cidade de Deus" e de alguns de seus muitos e curiosos personagens. Divide-se em três capítulos: 1) A história de Cabeleira; 2) A história de Bené e 3) A história de Zé Pequeno. 
O autor, Paulo Lins, realmente viveu na Cidade de Deus e sentiu de perto o que os personagens vivenciaram na obra; viu, de verdade, o que os personagens (alguns verdadeiramente reais, tanto que a partir da segunda edição os nomes são modificados por força de pedido de familiares) viram.
A história contada no livro tem relação direta com o alijamento populacional: pessoas são deslocadas de áreas de risco para a nova localidade "Cidade de Deus". Relações de afeto e amizade são destruídas com a forçada mudança e, aos poucos, aquela gente toda tem que reencontrar seu lugar no mundo, mesmo que esse lugar seja longe à beça da "civilização". Para as crianças, porém, tudo é festa, já que o novo local de habitação significa muita área descampada para brincar, correr, soltar pipa e jogar bola. Existe a promessa de uma nova vida pela frente. A obra começa aí. A primeira parte é mais leve, com a violência e o tráfico de drogas ainda iniciantes.
A partir do segundo capítulo pode-se perceber que o tempo da narrativa avança mais rápido (e mais rápido ainda no capítulo final). As crianças cresceram e viraram adolescentes ou adultos necessitados de trabalho, digno ou indigno. Alguns passam a invejar a vida dos bandidos, em contraponto à vida dos "otários", que seriam os trabalhadores com carteira assinada, ganhadores, quando muito, de um mísero salário mínimo mensal. Acentua-se a rixa entre brancos e negros, entre os favelados e os moradores da cidade, entre quem pode comprar o tênis com que sonha e os que têm que roubar para consegui-lo. Acentua-se, também, a violência e a ocorrência de mortes pelo mero prazer de matar o outro. As drogas ganham, de forma definitiva e irreversível, a favela e a classe média já sobre o morro para adquirir maconha, cocaína e o que mais tiver.
Na última parte da narrativa surge um herói de nome "Mané Galinha", que teve a namorada estuprada por Zé Pequeno (após o episódio do estupro, teve seu avô morto em casa). De simples trocador de ônibus, torna-se justiceiro e principal inimigo de Zé Pequeno. No entanto, o que era apenas uma rixa pessoal, vira uma guerra entre gangues da Cidade de Deus. O fim da narrativa é rápido, com inserção de muitos personagens, alguns até mesmo filhos dos personagens presentes no primeiro capítulo. A "guerra" é acentuada no fim, embora o autor, já nas últimas páginas, confira aos personagens desfechos nas histórias de vida, nem sempre positivos, como acontece na própria vida real.
O livro pode ser definido como um romance de "deformação" de um ser, se considerarmos Zé Pequeno como o principal personagem. Embora seja, de fato, um romance de formação de um ser, pois acompanha a vida do personagem da infância à idade adulta.
Quanto ao movimento, o livro pode ser definido como um romance de espaço, porque a narrativa se desenvolve num local específico, dentro da cidade "delimitada", que é a favela Cidade de Deus.
O narrador usa o discurso indireto livre; a narrativa é contada em terceira pessoa. A violência permeia todas as relações, o uso dos palavrões é uma constante na obra.
O romance é de tese, pois dá relevo às condições econômicas e sociais que se juntam para formar, em boa medida, o indivíduo. É de tese porque não dá relevo à descrição pormenorizada dos personagens, já que as histórias de cada um apenas são "pontuadas" na narrativa.
A estratégia da escrita se dá com a interpolação das histórias contadas, cujo tema "violência" se repete em todas elas. A obra, também, pode ser descrita como regionalista, porque o espaço definido e a linguagem são as da favela. A voz dos personagens, inclusive, é tratada no linguajar real, com os palavrões e erros de linguagem.
Um livro cuja leitura me fez repensar o modo de encarar (e entender) a periferia e suas necessidades. Adorei! Virei fã do Paulo Lins e da sua história de superação!

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